Deflação na indústria brasileira

Deflação na indústria brasileira: Alívio Passageiro ou Sinal de Estagnação Econômica no Brasil?

A indústria brasileira vive um dilema complexo neste momento: enquanto os preços ao produtor (IPP) recuam com força – atingindo a maior deflação desde junho de 2023 –, o cenário macroeconômico em 2025 permanece desafiador, cercado por juros elevados, câmbio flutuante e um crescimento econômico ainda tímido.

O dado mais recente do IBGE (2025) aponta para um recuo de 1,29% no IPP em maio, após queda de 0,12% em abril. Essa foi a quarta variação negativa consecutiva, interrompendo uma sequência de 12 meses seguidos de alta. O resultado é o mais acentuado desde meados de 2023 e reflete queda generalizada: 17 das 24 atividades monitoradas registraram preços menores, com destaque para alimentos, refino de petróleo e metalurgia.

Dois fatores conduzem essa trajetória de preços em queda. O primeiro é a redução no valor das commodities, especialmente soja e cana, em meio à safra, o que impacta a cadeia produtiva no atacado. O segundo é a valorização do real frente ao dólar, gerando alívio nos custos de insumos importados.

Contudo, essa deflação ao produtor não se traduz imediatamente em estímulo à atividade industrial. Na mesma base temporal, a produção industrial caiu 0,5% em maio frente a abril, acumulando dois meses seguidos de retração. O aperto monetário – com a Selic em 15% ao ano – e as incertezas fiscais contribuem para esse desaquecimento

Então, por que a deflação ainda não impulsiona a economia?

Existem, ao menos, quatro razões para que a deflação não contribua para a economia:

1. Juros elevados inibem investimentos.

A alta Selic encarece o crédito e desestimula empresas a assumirem dívidas para reinvestir, mesmo com insumos mais baratos.

2. Câmbio valorizado reduz competitividade.

Embora o real valorizado alivie custos de importação, produtos brasileiros ficam mais caros no exterior, dificultando exportações.

3. Deflação de porta de fábrica não reflete no varejo.

A queda no IPP é medida sem impostos e frete. Se os ganhos não chegam às pontas – ou se há deflação no varejo –, consumidores esperam cair, e o varejo desacelera junto.

4. Cadeia produtiva em transição.

Quedas intensas em setores como alimentos e metalurgia pressionam margens e faturamento, provocando retração da produção antes que possam ocorrer cortes de preços estruturais mais profundos.

Qual o risco desse quadro?

O principal risco desse cenário é a consolidação de um ciclo de estagnação produtiva, em que os preços em queda na indústria não se traduzem em aumento de produção, investimentos ou geração de empregos. A deflação ao produtor, embora à primeira vista pareça benéfica por indicar menor pressão de custos, pode ser sintoma de um desaquecimento mais profundo da atividade econômica.

Se a demanda interna permanecer fraca e o consumo seguir retraído, os empresários tendem a adotar uma postura defensiva, postergando contratações, evitando novos investimentos e priorizando a redução de estoques. Nesse contexto, a deflação não representa ganho de eficiência, mas sim uma resposta à ociosidade do sistema produtivo.

Outro risco relevante é o de uma “espiral de desconfiança”: consumidores adiam compras esperando quedas maiores de preços, enquanto empresas reduzem produção e ajustam margens para proteger sua rentabilidade. Isso gera um ambiente de cautela generalizada, no qual a atividade perde dinamismo mesmo com insumos mais baratos. Além disso, a valorização do real, embora reduza custos de importação, pode penalizar as exportações industriais, especialmente de segmentos de maior valor agregado, dificultando ainda mais a recuperação do setor externo.

Por fim, existe o risco de que a política monetária permaneça excessivamente restritiva por mais tempo, caso os sinais de alívio inflacionário não se propaguem para o varejo. A manutenção de juros elevados, em um ambiente de desaceleração produtiva, pode agravar a fragilidade da indústria e do setor de serviços, criando um descompasso entre o esforço de estabilização macroeconômica e a necessidade de reativação da economia real.

E o que esperar?

Nos próximos meses, a política monetária seguirá como elemento central para entender os rumos da economia brasileira. O Banco Central já sinalizou a possibilidade de interromper os cortes na taxa Selic, mantendo-a em patamares elevados caso a inflação ao consumidor não recue de forma consistente.

O câmbio continuará oscilando, influenciado tanto por fatores externos, como a política monetária dos Estados Unidos, quanto por incertezas fiscais internas, sendo que os exportadores tendem a defender uma desvalorização moderada do real para recuperar competitividade internacional, enquanto setores que dependem de insumos importados preferem a moeda valorizada para manter custos baixos.

As commodities agrícolas e minerais, por sua vez, seguirão exercendo papel determinante sobre os preços ao produtor; no entanto, o cenário global ainda é volátil, com riscos geopolíticos e climáticos que podem impactar tanto a oferta quanto a demanda desses produtos.

Em meio a esse ambiente, o desempenho da indústria dependerá não apenas de insumos mais baratos, mas principalmente da recuperação da demanda interna, do acesso ao crédito e da confiança dos empresários e consumidores em relação ao futuro da economia.

Conclusão

A deflação registrada nos preços ao produtor em maio de 2025, a maior em quase dois anos, revela um cenário de alívio no custo dos insumos industriais, mas também levanta preocupações sobre o verdadeiro estado da atividade econômica no Brasil. Em vez de representar um impulso claro à competitividade e à produtividade, essa queda generalizada de preços indica um possível enfraquecimento da demanda agregada, tanto no mercado interno quanto no externo.

A indústria brasileira, ainda fragilizada por anos de baixo crescimento, juros elevados e incertezas fiscais, encontra-se diante de um impasse: embora os custos de produção tenham diminuído, faltam sinais concretos de retomada consistente do consumo e do investimento. A deflação, por si só, não é capaz de gerar dinamismo econômico. Pelo contrário, se não for acompanhada de políticas eficazes para estimular a demanda, ampliar o crédito produtivo e reduzir incertezas, pode reforçar a percepção de estagnação e aprofundar o ciclo de retração.

Para evitar que o alívio nos preços se transforme em um sintoma crônico de fraqueza econômica, será fundamental que governo e Banco Central atuem de forma coordenada. Medidas que incentivem o investimento privado, a inovação e a produtividade devem ser priorizadas, ao mesmo tempo em que se protege a estabilidade macroeconômica. A chave está em transformar a deflação atual em uma oportunidade de ajuste estrutural positivo, e não em um prenúncio de um novo ciclo recessivo. O momento exige cautela, mas também ação estratégica para colocar a economia brasileira de volta aos trilhos do crescimento sustentável.

 

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Henrique de Castro Neves
Henrique de Castro Neves

Doutor em ciências econômicas aplicadas, mestre em ciência e tecnologia do leite e bacharel em administração e ciências contábeis.