OMS propõe aumento de 50 %

OMS propõe aumento de 50 % nos preços de açúcar, álcool e tabaco até 2035

A Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou recentemente uma iniciativa ousada chamada “3 por 35”, que propõe aumentar em 50 % os preços dos produtos mais nocivos à saúde — bebidas açucaradas, álcool e tabaco — nos próximos dez anos, por meio de tributos. A proposta estreitou o escopo dos antigos “impostos sobre o pecado” e ganhou força ao prometer ganhos expressivos para finanças públicas e saúde global.

Por que esse ajuste?

1. Redução do consumo prejudicial

O objetivo principal é desincentivar o consumo desses produtos que costumam causar doenças crônicas, como diabetes, câncer e doenças cardiovasculares. Estudos mostram que preços mais altos reduzem o consumo mais eficientemente que campanhas educativas isoladas.

2. Reforço às finanças dos sistemas de saúde

A OMS estima que essa medida pode gerar cerca de US$ 1 trilhão até 2035, montante que ajudaria especialmente países de renda média a financiarem seus sistemas de saúde em tempos de restrições orçamentárias e menor margem para endividamento.

3. Adaptação à realidade da dívida global

Com a redução da ajuda internacional e alta da dívida pública, os governos enfrentam dificuldades para manter gastos em saúde. O ajuste sugerido funcionaria como uma fonte alternativa de receita para reduzir essa pressão.

Quem defende?
  • Jeremy Farrar, diretor-geral assistente da OMS para promoção da saúde, enfatiza que “os impostos sobre a saúde são uma das ferramentas mais eficientes que temos”.
  • Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, afirma que a medida pode “ajudar governos a se ajustarem à nova realidade e reforçarem sistemas de saúde”.
  • Guillermo Sandoval, economista da OMS, explica que, se os impostos elevarem o preço de um produto de US$ 4 hoje para cerca de US$ 10 em 2035 (corrigido pela inflação), haverá impacto direto sobre o consumo.
Exemplos bem-sucedidos

A recomendação da OMS para elevar tributos sobre produtos como açúcar, álcool e tabaco não surge do nada: ela é baseada em evidências concretas colhidas em diferentes partes do mundo, onde medidas semelhantes foram adotadas com sucesso. Dois países se destacam como estudos de caso emblemáticos: Colômbia e África do Sul.

Na Colômbia, a implementação de impostos sobre bebidas açucaradas fez parte de um pacote de reformas voltadas à saúde pública. Ainda que tenha enfrentado forte resistência da indústria de refrigerantes e lobby político, o país conseguiu aprovar uma tributação gradual, focada especialmente nas bebidas com alto teor de açúcar adicionado. O resultado foi uma redução considerável no consumo dessas bebidas entre as camadas mais vulneráveis da população, especialmente crianças e adolescentes. Além disso, os recursos arrecadados foram direcionados a programas de prevenção à obesidade e educação nutricional em escolas públicas — reforçando a conexão entre tributação e bem-estar coletivo.

Já na África do Sul, o imposto sobre bebidas açucaradas, conhecido como “Health Promotion Levy”, entrou em vigor em 2018 e rapidamente demonstrou resultados. O governo sul-africano estabeleceu um modelo baseado na concentração de açúcar por volume, penalizando mais severamente produtos altamente adoçados. Estudos conduzidos por universidades locais e internacionais mostraram que, em apenas dois anos, houve redução média de 28% no consumo de bebidas tributadas, e uma reformulação por parte das empresas, que passaram a lançar versões com menos açúcar para driblar a carga tributária e atender à nova demanda de consumidores mais conscientes. Além dos ganhos à saúde, o imposto gerou receitas adicionais que fortaleceram o orçamento do sistema público de saúde sul-africano.

Esses exemplos mostram que a estratégia da OMS é viável e já foi testada com sucesso. Eles também revelam que a resistência inicial pode ser superada com planejamento, comunicação transparente e políticas de apoio, como educação nutricional e programas de acesso a alimentos saudáveis. Ou seja, não se trata apenas de punir o consumo nocivo, mas de transformar o comportamento coletivo por meio de incentivos econômicos inteligentes.

Impactos esperados
  • Saúde pública: Redução de casos de diabetes, obesidade, doenças hepáticas, câncer e tabagismo.
  • Economia: Alívio financeiro a sistemas de saúde pressionados e melhor equilíbrio fiscal.
  • Cidadãos: Preços mais elevados podem exigir adaptação de consumo, algo comum em bens de saúde pública.
Resistências previstas

Alguns possíveis pontos de oposição já são esperados, a saber:

  • Indústria: Setores de bebidas, agronegócio, tabaco e álcool podem pressionar governos contra medidas que reduzam sua lucratividade.
  • Políticas públicas: Politicamente, reajustes que encarecem produtos populares podem gerar rejeição, especialmente em economias vulneráveis.
  • Desigualdade de impacto: Famílias de baixa renda podem sentir mais no bolso, exigindo que o governo combine a medida com subsídios em áreas como alimentação saudável e transporte.
O que vem a seguir?

Com a proposta da campanha “3 por 35” já lançada, a OMS não pretende parar por aí. A organização já estuda ampliar o escopo dos chamados “impostos saudáveis”, incluindo alimentos ultraprocessados em futuras diretrizes. A ideia é avançar na criação de tributos para uma categoria de produtos cada vez mais presente nas mesas das famílias e associada a uma série de doenças crônicas.

Os alimentos ultraprocessados — como salgadinhos industrializados, embutidos, biscoitos recheados, pratos prontos congelados e cereais matinais adoçados — representam, segundo diversos estudos, um dos principais motores da pandemia global de obesidade e doenças metabólicas. Eles combinam alto teor de gordura, sal, açúcar e aditivos químicos com baixa densidade nutricional, e muitas vezes são direcionados a crianças por meio de marketing agressivo.

Entretanto, ainda não há uma definição oficial da OMS sobre o que constitui um alimento ultraprocessado, o que representa o primeiro desafio regulatório. Segundo Guillermo Sandoval, economista da OMS, as recomendações sobre esses produtos devem ser divulgadas nos próximos meses, conforme avançam os estudos e as negociações com os países-membros. A expectativa é que a taxação leve em conta o grau de processamento, o perfil nutricional e o impacto do marketing infantil, em linha com o conceito do Guia Alimentar para a População Brasileira, desenvolvido pelo Ministério da Saúde em parceria com pesquisadores da USP, e que já serve de referência internacional.

A inclusão dos ultraprocessados como alvo de política fiscal representa uma mudança de paradigma importante, pois rompe com a ideia de que apenas alimentos diretamente associados ao açúcar e ao álcool devem ser regulados. Essa nova fase exigirá colaboração entre governos, academia, organizações de defesa do consumidor e, sobretudo, comunicação estratégica com a população, para que o foco não pareça ser simplesmente aumentar arrecadação, mas sim promover saúde com justiça social.

Caso a iniciativa avance, poderá representar uma revolução no modo como se enxerga a tributação sobre consumo alimentar no século XXI, promovendo dietas mais saudáveis e sustentáveis, e trazendo benefícios fiscais para sistemas de saúde hoje sobrecarregados por doenças evitáveis.

Conclusão

A iniciativa “3 por 35” representa um marco na política de tributação voltada à saúde pública. Ela propõe a combinação de combate ao consumo de produtos nocivos com reforço financeiro para sistemas de saúde, num contexto de crises orçamentárias globais. É um movimento ousado, apoiado por evidências em alguns países, mas que enfrenta barreiras políticas e econômicas inerentes à sua aplicação.

Para os governos, a proposta oferece uma oportunidade estratégica de alinhar saúde pública e sustentabilidade fiscal. Para os cidadãos, significa uma mudança de hábitos e uma possível elevação no custo de produtos aos quais estamos acostumados. A chave para o sucesso estará no desenho das políticas complementares – compensações sociais, transparência e diálogo com a população.

Confira nossos materiais aqui.

Henrique de Castro Neves
Henrique de Castro Neves

Doutor em ciências econômicas aplicadas, mestre em ciência e tecnologia do leite e bacharel em administração e ciências contábeis.