Conhecimento que Transforma
a Segurança dos Alimentos!
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A demissão de um diretor da Campbell’s por fazer comentários preconceituosos e criticar publicamente os próprios produtos reacende um ponto que a maioria das empresas prefere não enfrentar: a cultura verdadeira não é a que está no papel, é a que emerge do comportamento das pessoas com poder de influência.
E aqui está a verdade dura:
Se a empresa não possui uma metodologia estruturada, viva e monitorada de cultura organizacional, outras culturas irão ocupar esse espaço — espontâneas, desalinhadas e às vezes perigosas.
Empresas gastam tempo criando frases bonitas, valores inspiradores e apresentações corporativas impecáveis. Mas nada disso constrói cultura se o dia a dia contradiz o discurso.
O caso da Campbell’s é explícito: um diretor, que deveria ser guardião da cultura, expôs dois elementos destrutivos, viés de preconceito e desrespeito ao próprio produto que a empresa coloca no mercado.
Quando alguém nessa posição se sente confortável para agir assim, significa que:
Isso revela uma verdade desconfortável:
quando líderes têm comportamentos tóxicos sem consequências imediatas, a empresa inteira aprende que aquilo é aceitável.
Toda empresa tem:
E quando não existe método, governança e coerência, surgem as culturas paralelas, formadas por pessoas que exercem influência: formal ou informal.
Essas microculturas têm poder real:
O ponto central é: O comportamento prevalece sobre o valor declarado.
Se um diretor fala abertamente que “não come o que produz”, ele está comunicando para toda a empresa que:
Cultura ruim contamina processos muito mais rápido do que qualquer microrganismo.
Alguns anos atrás, vivi uma situação que explica exatamente o que acontece quando a cultura de uma empresa perde o eixo. Eu estava acompanhando o processo de uma indústria que realizava processo de secagem (desidratação). Durante a visita, percebi algo que, à primeira vista, parecia apenas “uma adaptação técnica” feita pelos colaboradores: eles estavam reutilizando uma água gerada em uma etapa do processo.
Essa água, não passava por nenhum tratamento antes de retornar ao sistema. E, mesmo assim, estava sendo reintroduzida no fluxo produtivo.
Quando observei aquilo, a pergunta que surgiu imediatamente foi:
“Quem autorizou isso?”
Depois de alguma investigação interna, descobri a origem: não havia sido uma decisão formal. Não havia nenhum estudo técnico. Não havia validação.
Havia apenas uma pessoa influente, alguém com voz de comando, da direção da empresa, que um dia adaptou o processo e orientou como os funcionários deveriam proceder. Nada documentado, por que? Porque estava errado e no fundo ele sabia! Porque estava contra os valores e cultura da empresa e ele sabia.
E isso é exatamente como culturas paralelas nascem.
Elas não começam intenções. Neste caso, reduzir custos.
Começam com atalhos.
lass=”yoast-text-mark” />>Com improvisos.
>Com alguém que “acha” algo e ninguém questiona.
>Com o silêncio cúmplice da rotina.
E, pouco a pouco, aquele desvio informal vira um novo normal.
Eu sabia que apenas apresentar os riscos técnicos não seria suficiente.
A decisão que levara àquele desvio não havia sido técnica, tinha sido cultural.
O choque precisava ser cultural também.
Pedi uma reunião com a alta direção. Quando todos estavam reunidos, entrei com um copo de água cheio. Coloquei o copo sobre a mesa. Expliquei de onde aquela água vinha. Mostrei o ponto do processo onde ela era coletada. Detalhei que não passava por tratamento algum. Falei sobre as normas, legislações, perigos, reli com eles a policita e os valores da empresa.
Depois, perguntei calmamente:
“Quem gostaria de beber esta água?”
Ninguém se prontificou. O incômodo preencheu a sala. E, naquele momento, a incoerência ficou impossível de ignorar.
Então, falei o que precisava ser dito:
“Se vocês não consideram essa água segura para beber,
por que ela seria segura para voltar ao processo de produção sem o devido tratamento?”
Silêncio absoluto.
A verdade tinha chegado sem filtro e era impossível argumentar contra ela.
O processo foi imediatamente interrompido. Tubulações de desvio desfeitas, a prática foi extinta e um estudo adequado sobre a reutilização da água com o devido tratamento iniciado.
Essa situação não aconteceu porque faltava conhecimento técnico.
Aconteceu porque faltava cultura: cultura de questionar, cultura de seguir critérios, cultura de respeitar o consumidor.
A decisão informal de reutilizar uma água contaminada foi consequência direta do espaço deixado vazio por uma cultura não estruturada. Exatamente como no caso Campbell’s, quando líderes não sustentam valores de forma consistente, outras “verdades” ocupam esse vazio.
E é por isso que, no campo da segurança dos alimentos, coragem não é opcional. Coragem é parte da cultura.
Coragem de confrontar, de expor incoerências, de dizer o que precisa ser dito — no momento certo, com o tom certo, com respeito, mas sem fugir da realidade.
Essa história, assim como o caso da Campbell’s, mostra a mesma coisa:
sempre que a cultura oficial perde força, as culturas paralelas assumem o controle.
E, quando isso acontece, o risco deixa de ser técnico — passa a ser humano.
Sem sistema, não existe cultura. É preciso:
Não é uma vez por ano no workshop de valores.
Um encarregado que todos admiram pode influenciar mais do que o CEO. Um diretor que faz piada preconceituosa destrói anos de construção.
A influência real está no corredor, não no Mural da empresa.
É fácil defender valores quando tudo está confortável. O teste é:
Toda falha grave em segurança de alimentos começa igual:
E atrás desse alguém sempre existe um problema cultural não resolvido.
O caso Campbell’s não é apenas sobre um diretor. Ele é um espelho para todas as empresas que acreditam que cultura se sustenta sozinha.
E o exemplo da água é um lembrete duro para qualquer organização:
Cultura sem método vira acaso.
Acaso vira risco.
E risco, mais cedo ou mais tarde, vira crise.
Fonte da imagem: O Globo.