Escândalo Perrier: O “Watergate” da água mineral natural

Escândalo Perrier: O “Watergate” da água mineral natural

Se você trabalha com Food Safety, certamente já ouviu falar deste caso.

Trouxe aqui um panorama de toda esta situação, lembrando que não temos acesso ao desdobramento junto a empresa e governo, apenas os dados divulgados em mídia. De qualquer forma, é um caso que nos traz uma importante reflexão. Não se trata de um problema de contaminação, não se trata de um risco a saúde consumidor, pelo contrário, as medidas adotadas pelo fabricante da água foram medidas necessárias para manter a água segura para consumo, uma vez que contaminações foram detectadas, ocorre no entanto que houve uma quebra em procedimento legal para seguir denominando a água como natural e comercializando a mesma por valores bem superiores ao valor de água potável ou água mineral.

 

Escândalo Perrier: O “Watergate” da água mineral natural

Em 2025, um dos maiores escândalos do setor de bebidas abalou a reputação da tradicional marca francesa Perrier. Embora conhecida mundialmente por sua imagem de sofisticação, qualidade e pureza, a marca foi acusada de utilizar sistemas de purificação não permitidos pela legislação da União Europeia em águas comercializadas como “mineral natural”. Assim, a fraude, que ficou conhecida como o “Watergate da água”, expôs falhas de fiscalização, colocou em risco a confiança dos consumidores e levantou questionamentos sobre os preços cobrados por águas premium.

 

Escândalo Perrier: O “Watergate” da água mineral natural

Cronologia dos fatos

  • 2024: A Perrier foi obrigada a destruir 2 milhões de garrafas após contaminação bacteriana em um dos poços de captação.
  • Início de 2025: Em seguida,  novas análises detectaram enterobactérias patogênicas, resultando na retirada de mais 300.000 garrafas do mercado.
  • Agosto de 2025: Posteriormente, veio à tona que a marca vinha utilizando filtros de carvão ativado, microfiltração e luz ultravioleta — tratamentos proibidos para águas minerais naturais. Consequentemente, as autoridades francesas retiraram o rótulo de “água mineral natural” da Perrier.
  • Como resultado, uma investigação judicial foi aberta e estima-se que a fraude movimentou mais de €3 bilhões, considerando a diferença de preço da comercialização.

 

Normativa europeia aplicável

A União Europeia possui legislação rigorosa para garantir a qualidade e autenticidade das águas minerais naturais:

  • Diretiva 2009/54/EC: regula a exploração e comercialização de águas minerais naturais. Proíbe qualquer tratamento que altere a composição essencial da água. São permitidas apenas correções mínimas, como remoção de ferro e enxofre.
  • Diretiva 2003/40/EC: estabelece limites de concentrações e autoriza apenas tratamentos específicos, como ar enriquecido com ozônio, sob condições estritas.
  • Regulamento (UE) nº 115/2010: detalha tratamentos autorizados, como a remoção de flúor.
  • Diretiva 98/83/EC: trata da qualidade da água destinada ao consumo humano, aplicável também a águas de manancial, mas não às minerais naturais.
  • Diretiva 2020/2184: atualiza requisitos de qualidade da água potável, sem alterar o regime exclusivo das águas minerais.

Sendo assim, essas normas deixam claro que a água mineral natural deve manter sua composição original, não podendo passar por processos de purificação típicos de águas potáveis comuns, desde a fonte até o envase.

 

Violação das normas e rotulagem enganosa

A Perrier manteve durante anos a rotulagem de “água mineral natural” enquanto aplicava tratamentos proibidos pela legislação. Na prática, isso significa que:

  • Primeiramente, o processo perdeu a característica essencial que justificava a designação de água mineral natural.
  • Além disso, ao ser submetida a processos de purificação, a água passou a se assemelhar a qualquer outra água potável tratada.
  • Por fim, o consumidor continuou pagando um preço premium (100 a 400 vezes maior que a água potável), baseado em um apelo de pureza e naturalidade que não existia.

 

Impactos econômicos e reputacionais

  • A retirada da denominação de “água mineral natural” representou um golpe devastador para a marca.
  • Estima-se que as perdas cheguem a bilhões de euros, não apenas pela queda de 24% nas vendas, mas também por processos judiciais e danos à imagem.
  • O Senado francês acusou o governo de acobertar a indústria desde 2021, permitindo assim a manutenção de práticas irregulares mesmo após alertas sanitários.

 

Saúde pública e confiança do consumidor

Embora os riscos de contaminação bacteriana tenham motivado a maioria das retiradas, o ponto central do escândalo não é apenas sanitário, mas ético e regulatório:

  • Houve risco à saúde com a presença de enterobactérias.
  • Além disso, o consumidor foi enganado ao pagar mais caro por um produto que não atendia à definição legal de “mineral natural”.
  • Consequentemente a fraude abalou profundamente a confiança, ativo central para marcas de água engarrafada.

A fraude da Perrier está diretamente ligada a dois fatores principais:

  1. Descumprimento da normativa europeia: os tratamentos aplicados são incompatíveis com a definição legal de água mineral natural.
  2. Exploração econômica enganosa: o produto continuou a ser vendido como premium sem justificativa real, uma vez que, após os tratamentos, tornou-se essencialmente similar a águas comuns do mercado.

O caso Perrier é um marco regulatório e de consumo. Ele demonstra que mesmo marcas tradicionais podem comprometer sua reputação global quando escolhem práticas que contrariam a legislação e a confiança do público. Ademais, ressalta a importância de fiscalização efetiva, transparência empresarial e defesa do consumidor no setor de alimentos e bebidas.

Mais do que uma questão sanitária, o escândalo representa uma fraude de valor: uma prática de mercado que enganou consumidores e fragilizou a credibilidade de todo o segmento, substituindo a promessa de pureza e naturalidade.

 

Em uma empresa com cultura de segurança dos alimentos forte as questões de Food Safety vão muito além de manter um produto seguro, requer transparência, cumprimento de legislação e respeito ao consumidor.

Uma pequena informação no rótulo que faz toda diferença no preço do produto final e na confiança do consumidor. A transparência será sempre o melhor caminho!

 

Microplasticos nos Alimentos e na Água

 

Referências

  • El País. “Watergate en Francia: el escándalo que sacude el agua mineral natural de Perrier” (2025).
  • AP News. “Senado francês investiga fraude com água Perrier” (2025).
  • HuffPost. “Detectan superbacterias en agua embotellada más popular del mundo” (2025).
  • HuffPost. “Diferencias entre agua mineral natural y agua de manantial” (2024).
  • Comissão Europeia. “Natural Mineral Waters and Spring Waters” (2023).
  • EUR-Lex. “EU standards for natural mineral waters” (2023).
  • FSAI. “Natural Mineral Water Legislation” (2023).
  • Natural Mineral Waters Europe. “Legislation and Standards on Bottled Waters” (2023).
  • Wikipedia. “Drinking Water Directive 2020/2184” (2023).

Fonte da imagem: Freepik.

Keli Lima
Keli Lima

CEO da BR Quality e Estilo Food Safety, especialista em Qualidade e Segurança dos Alimentos. Atua como consultora, mentora e auditora líder em normas de Food Safety e ESG.