Nós do Semear apoiamos a acessibilidade. Ouça nosso conteúdo em áudio:
Por Natalia Longo Furtado
#alimentonutriçãosegurança
Você sabe o que são ácidos graxos trans?
Os ácidos graxos trans são isômeros geométricos dos ácidos graxos insaturados, que podem ser produzidos a partir da fermentação de bactérias em ruminantes, sendo encontrados em pequenas quantidades na carne e no leite. Ou formados industrialmente por diferentes processos, como a hidrogenação e desodorização, onde os óleos vegetais líquidos e insaturados são convertidos em gorduras sólidas e mais estáveis à temperatura ambiente conferindo consistência de semissólida à sólida a essas gorduras, como ocorre, por exemplo, na fabricação de margarinas, biscoitos, sorvetes e tortas, pães, folhados.
A formação de ácidos graxos trans pode ocorrer também durante o processo de cocção com óleos vegetais expostos à altas temperaturas, luz ou oxigênio. A desestabilização e oxidação dessas insaturações culminam com o surgimento e incorporação de isômeros trans nesses alimentos.
Cabe ressaltar que os diferentes tipos de processos de cocção podem, também, levar à mudança no comportamento desses lipídios em alimentos. Elevadas temperaturas podem levar ao rompimento das ligações duplas dos ácidos graxos e, dependendo da temperatura, ocorrer processos de degradação das estruturas lipídicas, formando, inclusive, algumas substâncias tóxicas, como a acroleína.
Os ácidos graxos trans são responsáveis também pela deposição de gordura nas paredes dos vasos sanguíneos formando as placas de ateroma. Além disso, promovem o aumento do LDLc; redução do HDlc, aumento dos triglicerídeos, redução da função endotelial, aumento da gordura abdominal, obesidade, resistência insulínica e aumento do risco de diabetes tipo 2.
Não foram estabelecidos valores para RecommendedDietaryAllowance (RDA) e AdequateIntake (AI) para os lipídios. Porém, há uma faixa estimada de distribuição aceitável para esse macronutriente, que varia entre 15% e 35% do valor energético total, o VET. A recomendação da FAO/OMS é que a ingestão diária de ácidos graxos saturados não ultrapasse 10% do VET. Já para ácidos graxos trans, a FAO optou pela adoção de um limite de segurança para todos os tipos de AGT inferior a 1% do VET. Porém, infelizmente, diversos estudos comprovam que o consumo em todas as faixas etárias está acima deste valor.
Uma das causas apontadas para este consumo é o fato de que as regras atuais para declaração dos ácidos graxos trans na rotulagem nutricional fazem com que a quantidade desses lipídios seja ocultada, em muitas situações. De acordo com RDC 360 da Anvisa, se na porção o alimento apresentar quantidades iguais ou inferiores a 0,2 g por porção ele pode ter a alegação de 0% trans.
Nas indústrias, a redução de gorduras tem sido promovida há muitos anos, atendendo às demandas dos consumidores e também para alinhar seus portfólios de produtos às recomendações dietéticas nacionais e internacionais.
Nessa direção, a maior parte das empresas, cujo portfólio costuma incluir produtos com gorduras (Ex.: chocolates, embutidos etc.) buscam estabelecer parâmetros máximos para o conteúdo de gorduras saturadas e também para a quantidade de calorias por porção, para o lançamento de novos alimentos e bebidas não alcoólicas.
Por isso, cuidado com a quantidade ingerida, pois muitas das vezes a quantidade ingerida é maior que a porção indicada na tabela nutricional. É muito importante neste caso, se atentar aos ingredientes, caso contenham gordura hidrogenada, gordura parcialmente hidrogenada, óleo vegetal hidrogenado, creme vegetal, gordura vegetal e margarina, por exemplo.
Em razão dos efeitos nocivos dos ácidos graxos trans sobre a saúde, ocorrem diversas ações simultâneas provenientes tanto de Agências Reguladoras de Saúde quanto de Sociedades responsáveis pela elaboração de Diretrizes Nutricionais, com a intenção de recomendar a redução do consumo desses ácidos graxos pela população mundial, inclusive bani-los.
A substituição do AGTI por óleos e gorduras mais saudáveis, especialmente ricas em ácidos graxos poli-insaturados e pobres em ácidos graxos saturados, é possível. Assim, a eliminação do suprimento global de alimentos com AGTI foi identificada como uma das metas prioritárias do plano estratégico da OMS para os anos de 2019 e 2023, aprovado durante a 57ª Assembleia Mundial da Saúde.30 países já implementaram medidas obrigatórias para restringir o uso ou o consumo dessas gorduras, atingindo, atualmente, 2,4 bilhões de pessoas (31% de cobertura global da população).
A Dinamarca foi o primeiro país que, há mais de 15 anos, determinou o limite de 2% de ácido graxo trans de origem industrial sobre o total de gorduras em todos os alimentos no mercado, incluindo importados e aqueles servidos em restaurantes. Desde então, medidas semelhantes de restrição já foram adotadas por diversos países da Europa, Ásia, África e na Região das Américas: Chile (2009), Argentina (2010), Colômbia (2012), Equador (2013), Estados Unidos da América (2015), Peru (2016), Canadá (2017), Uruguai (2017).
Contemplando iniciativas regulatórias que limitam o AGTI em alimentos em todos os ambientes e atendem a pelo menos uma das alternativas recomendadas de estabelecer: Um limite nacional obrigatório de 2 g de AGT produzido industrialmente por 100 gramas de óleos e gorduras totais em todos os alimentos e a proibição nacional obrigatória da produção ou uso de OGPH (óleos e gorduras parcialmente hidrogenados) como ingrediente em todos os alimentos.
Em 2018, foi lançado pela OMS o pacote de ações “REPLACE” com um roteiro de estratégias para os países eliminarem os ácidos graxos trans produzidos industrialmente do suprimento global de alimentos até 2023.
As ações estratégicas recomendadas pelo REPLACE são:
✓ revisão das fontes alimentares de AGTI e as condições para a mudança política necessária;
✓ promoção da substituição da AGTI por gorduras e óleos mais saudáveis;
✓ legislar para eliminar os AGTI;
✓ avaliar e monitorar o conteúdo de AGT nos alimentos e as mudanças no consumo desses lipídios na população;
✓ criar consciência do impacto negativo na saúde dos AGTI entre formuladores de políticas, produtores, fornecedores e o público; e
✓ fiscalizar a conformidade com as políticas e regulamentos.
A tentativa de adoção de uma medida normativa de restrição vem sendo conduzida de forma legítima e participativa no âmbito da Anvisa.
O Brasil também tem regras estabelecidas pelo Ministério da Educação para o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) que definem que as preparações diárias da alimentação escolar devem observar o limite de AGT de 1% do VET, entretanto, não há um sistema de monitoramento pleno de seu cumprimento.
Entre as ações voluntárias de reformulação, destacam-se o Acordo de Cooperação Técnica assinado pelo Ministério das Saúde (MS) e pela Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (ABIA) e a Declaração do Rio de Janeiro para as Américas Livres de ácidos graxos trans da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), que estabeleceu como meta um conteúdo máximo de AGTI nos óleos e margarinas de 2% do total de gorduras e nos alimentos processados de 5% do total de gorduras.
Já observamos um avanço na nova lei de rotulagem nutricional dos alimentos embalados, que entra em vigor em outubro de 2022, para que a declaração da quantidade de AGT seja consistente e compreensível. A medida adota a rotulagem nutricional frontal, especificando de forma clara se há alto teor de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio e mudanças na tabela nutricional, onde passará a ser obrigatória a identificação de açúcares totais e adicionais, a declaração do valor energético e nutricional por 100 g ou 100 ml. Os produtos poderão considerar que não contém AGT quando abaixo de 0,1g por porção de referência, por 100 g ou ml.
O Brasil possui iniciativas regulatórias relacionadas ao AGTI, no entanto, nenhuma das medidas existentes estabelece um limite ou proíbe a produção ou uso. Por isso, por enquanto, contamos com os acordos voluntários por parte das indústrias e da conscientização do consumidor.
Vale ressaltar o consumo consciente, baseado em uma dieta equilibrada e saudável.
Referências
- https://www.scielo.br/j/abc/a/Yt5zyLkkfG8ms6rKcJ7TNWc/?lang=pt&format=pdf
- Hu FB, Stampfer MJ, Manson JE et al. Dietaryfatintakeandtheriskofcoronaryheartdisease in women. N Engl J Med. 1997; 337(21):1491.
- Menotti A, Kromhout D, Blackburn H et al. Food intakepatternsand 25-year mortalityfromcoronaryheartdisease: cross cultural correlations in theSeven Countries Study. The Seven Countries StudyResearchGroup. Eur J Epidemiol. 1999; 15(6):507-15.
Adicione um comentário