As micotoxinas são substâncias tóxicas produzidas por certos tipos de fungos (principalmente dos gêneros Aspergillus, Penicillium e Fusarium) que crescem em alimentos e rações sob condições específicas, especialmente em ambientes quentes e úmidos. Elas são uma das principais preocupações em segurança dos alimentos por serem resistentes a muitos processos industriais e prejudiciais à saúde humana e animal mesmo em pequenas quantidades.
Como ocorre a contaminação por micotoxinas
A contaminação pode ocorrer em três principais etapas:
Pré-colheita: durante o crescimento da planta, especialmente quando há umidade alta, danos por pragas ou estresse ambiental.
Pós-colheita: quando os grãos ou alimentos são mal armazenados, com umidade elevada e temperaturas altas que favorecem o crescimento de fungos.
Processamento e transporte: se as boas práticas de higiene e controle de temperatura e umidade não forem respeitadas.
Como ocorre a formação de micotoxinas
As micotoxinas se formam como produtos secundários do metabolismo de certos fungos filamentosos, especialmente os dos gêneros Aspergillus, Fusarium, Penicillium, entre outros. Esses fungos crescem em alimentos e matérias-primas sob condições ambientais específicas e, ao se desenvolverem, produzem micotoxinas como parte de sua defesa e sobrevivência em ambientes estressantes.
1. Presença de fungos produtores
Nem todo fungo produz micotoxinas. Apenas espécies específicas têm a capacidade de biossintetizá-las. Exemplos:
Aspergillus flavus e A. parasiticus → aflatoxinas
Fusarium verticillioides → fumonisinas
Penicillium verrucosum → ocratoxina A
2. Condições ideais para produção de micotoxinas
A produção de micotoxinas não ocorre em qualquer situação. Os fungos precisam de um ambiente propício, como:
Fatores
Condições favoráveis
Umidade
Alta atividade de água (aw > 0,7), umidade relativa > 70%
Temperatura
Geralmente entre 20–35°C, mas pode variar por espécie
Oxigênio
Presença de oxigênio (fungos aeróbios)
Substrato disponível
Alimentos ricos em amido, lipídios ou açúcares
Estresse da planta
Doenças, pragas ou danos mecânicos favorecem a colonização
Tempo de exposição
Armazenamento prolongado sem controle adequado
3. Crescimento do fungo e produção da micotoxina
O fungo se instala no alimento ou matéria-prima e começa a colonizá-lo.
Quando as condições são favoráveis (por exemplo, milho úmido armazenado em ambiente quente), o fungo ativa genes relacionados à biossíntese de micotoxinas.
A produção da toxina é uma resposta a condições ambientais adversas ou competição com outros microrganismos.
Por exemplo: Aspergillus flavus produz aflatoxinas para competir com outros fungos ou bactérias em substratos ricos como amendoim ou milho.
4. Persistência no alimento
Uma vez formada, a micotoxina permanece estável no alimento, mesmo se o fungo for posteriormente eliminado. Isso se deve à sua resistência a:
Micotoxinas se acumulam no alimento e não são removidas por métodos convencionais.
Como as micotoxinas entram no corpo humano
As micotoxinas podem entrar no corpo humano principalmente por meio da alimentação, e sua detecção é um desafio devido à sua invisibilidade, estabilidade química e ausência de sabor ou odor perceptível.
As principais vias de exposição são:
Ingestão direta de alimentos contaminados
A forma mais comum. Alimentos como milho, amendoim, nozes, café, cereais e frutas secas, quando contaminados por fungos produtores de micotoxinas, podem conter esses compostos mesmo após processamento.
Ingestão indireta
Consumir produtos de origem animal (leite, carne, ovos) de animais alimentados com ração contaminada. Uma vez presente na ração, esta micotoxina seguirá para os produtos de origem animal e consequentemente para o organismo dos consumidores.
Inalação de poeira contaminada Raramente, trabalhadores que manipulam grãos armazenados podem inalar micotoxinas em ambientes com má ventilação.
Contato dérmico (menos comum)
Pode ocorrer em ambientes agrícolas ou industriais, embora essa via seja menos significativa em termos de risco.
Efeitos no corpo humano
Agudos: vômitos, dores abdominais, danos hepáticos (casos de intoxicação severa).
Crônicos: câncer (especialmente hepático), imunossupressão, infertilidade, retardo no crescimento infantil, entre outros.
Populações vulneráveis, como crianças, grávidas e imunocomprometidos, estão mais sujeitas aos efeitos graves.
Como detectar micotoxinas
A detecção pode ocorrer em duas frentes: nos alimentos e no corpo humano (biomonitoramento).
1. Detecção em alimentos
Métodos laboratoriais usados por órgãos reguladores e indústrias alimentícias:
Cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas (LC-MS/MS) – altamente sensível e específica.
Cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC).
ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay) – usado para triagem rápida.
Testes rápidos comerciais – usados em campo para detectar aflatoxinas, por exemplo.
A realização de análises não é um processo rápido e tão pouco barato e este é mais um dos motivos para que a prevenção e monitoramentos para evitar a formação de micotoxinas são essenciais.
2. Detecção no corpo humano (biomarcadores)
Biomonitoramento pode identificar a presença ou exposição a micotoxinas em:
Urina – comum para o rastreamento de ocratoxina A, zearalenona e fumonisinas.
Sangue (soro ou plasma) – especialmente para aflatoxinas.
Leite materno – pode indicar exposição da mãe e do bebê.
Cabelo e unhas – utilizados em estudos de longo prazo.
Essas análises exigem equipamentos especializados e são feitas principalmente em estudos clínicos, epidemiológicos ou em investigações de surtos.
As indústrias devem realizar análises laboratoriais regulares (como forma de verificação) para garantir que os produtos estejam dentro dos limites legais.
Produtos que excedam os limites estabelecidos não podem ser comercializados.
A fiscalização pode ser feita pela vigilância sanitária, com amostragens em pontos de venda e produção.
Por que as micotoxinas não são eliminadas no processamento?
As micotoxinas, uma vez presentes na matéria-prima, são altamente resistentes aos processos convencionais de processamento de alimentos, como cozimento, fermentação, moagem e pasteurização. Isso ocorre devido à sua estabilidade química e térmica, o que impede sua remoção eficaz durante as etapas de produção. Consequentemente, elas persistem e se acumulam ao longo da cadeia alimentar, desde a colheita até o consumo final, representando um risco contínuo à saúde humana.
Estabilidade térmica: Micotoxinas como as aflatoxinas e a ocratoxina A resistem a altas temperaturas, permanecendo ativas mesmo após processos térmicos como cozimento e pasteurização.
Resistência química: Elas não são facilmente degradadas por métodos químicos convencionais utilizados na indústria alimentícia.
Persistência nos alimentos: Mesmo após a remoção dos fungos produtores, as micotoxinas já formadas permanecem nos alimentos, sendo transferidas para os produtos finais.
Acúmulo na cadeia alimentar
A contaminação por micotoxinas pode ocorrer em várias etapas da cadeia produtiva:
Campo: Durante o cultivo, especialmente em condições de alta umidade e temperatura, os fungos podem produzir micotoxinas que contaminam os grãos.
Armazenamento: Se os grãos forem armazenados inadequadamente, a proliferação de fungos e a produção de micotoxinas podem continuar.
Processamento: Durante a transformação dos grãos em produtos alimentícios, as micotoxinas persistem devido à sua resistência aos processos industriais.
Consumo humano: Alimentos contaminados chegam ao consumidor final, representando riscos à saúde.
Além disso, as micotoxinas podem entrar na cadeia alimentar humana indiretamente, por meio do consumo de produtos de origem animal (como leite, carne e ovos) provenientes de animais que ingeriram ração contaminada.
Como evitar a contaminação por micotoxinas
Para prevenir a contaminação, é necessário agir em toda a cadeia produtiva:
Na produção agrícola
Uso de sementes resistentes a fungos.
Rotação de culturas e controle de pragas.
Colheita no momento certo para evitar umidade excessiva.
No armazenamento
Secagem adequada dos grãos antes do armazenamento (redução da umidade).
Ambientes secos, ventilados e com controle de temperatura.
Inspeção regular para presença de mofo.
Na indústria alimentícia
Testes laboratoriais de controle de qualidade para detectar micotoxinas.
Aprovação e acompanhamento de fornecedores
Processos que eliminem ou reduzam a carga fúngica (uma vez que só há formação de micotoxinas se houver presença de fungos)
Uso de adsorventes de micotoxinas em rações animais.
No consumo doméstico
Comprar alimentos de fontes confiáveis.
Evitar consumir grãos mofados, frutas secas com aparência estranha ou nozes com gosto amargo.
Armazenar alimentos secos em locais ventilados e protegidos da umidade.
Lembrar que se o alimento estava contaminando com fungos, não é uma opção lavar, cortar e eliminar a contaminação e consumir o alimento, pois, estes fungos liberam metabólitos que não são eliminados, são invisíveis e trarão danos a saúde.
A presença de micotoxinas nos alimentos é um problema silencioso e sério. A exposição prolongada a essas toxinas pode causar efeitos adversos à saúde, como problemas hepáticos, imunológicos, câncer e, em casos extremos, intoxicação aguda. Por isso, medidas preventivas e sistemas de monitoramento são essenciais para garantir a segurança alimentar em toda a cadeia de produção e consumo.
Importância da prevenção
Devido à dificuldade de eliminar micotoxinas após sua formação, a prevenção é essencial. Isso inclui práticas agrícolas adequadas, controle rigoroso durante o armazenamento e monitoramento constante dos níveis de micotoxinas nos alimentos. A detecção precoce e a implementação de medidas preventivas são as estratégias mais eficazes para garantir a segurança dos alimentos e proteger a saúde pública.
CEO da BR Quality e Estilo Food Safety, especialista em Qualidade e Segurança dos Alimentos. Atua como consultora, mentora e auditora líder em normas de Food Safety e ESG.