Surto de Listeria nos EUA acende alerta sobre refeições prontas

Um surto de Listeria ligado a refeições prontas nos Estados Unidos resultou em 17 casos confirmados da doença, com três mortes e uma perda fetal associadas. As autoridades americanas apontaram que o surto está ligado a pratos refrigerados com frango e massa vendidos sob diferentes marcas em grandes redes varejistas, como Walmart e Kroger. Embora o surto tenha ocorrido fora do Brasil, o episódio traz importantes lições sobre o consumo de alimentos prontos, a rastreabilidade e a segurança microbiológica dos alimentos.

Frango, massa, Chicken Fettuccine
Imagem ilustrativa de Chicken Fettuccine Alfredo. Fonte – The Modern Proper

Segundo o CDC (Centers for Disease Control and Prevention), as investigações indicam que os produtos contaminados faziam parte de uma linha de refeições prontas refrigeradas, incluindo pratos como frango Alfredo, macarrão com molho branco e lasanhas. A empresa FreshRealm, responsável por parte da produção, iniciou um recall voluntário dos produtos com data de validade até 27 de junho de 2025, como medida preventiva para retirar os alimentos potencialmente contaminados do mercado.

A contaminação foi identificada após uma amostra de rotina testar positivo para Listeria monocytogenes em um lote de lasanha de frango. A cepa encontrada era compatível geneticamente com as amostras de pacientes infectados, reforçando o elo entre os produtos alimentares e o surto.

O que é a Listeria monocytogenes?

A Listeria monocytogenes é uma bactéria patogênica capaz de causar a listeriose, uma infecção alimentar potencialmente grave. Seu principal diferencial é a capacidade de sobreviver e até crescer em temperaturas de refrigeração (0°C a 4°C), o que representa um desafio para a segurança de produtos refrigerados e minimamente processados.

Apesar de menos frequente que outras doenças transmitidas por alimentos, a listeriose apresenta uma alta taxa de letalidade, especialmente em grupos vulneráveis como gestantes, recém-nascidos, idosos e pessoas imunocomprometidas. As manifestações clínicas variam de gastroenterites leves até quadros severos de septicemia, meningite e aborto espontâneo.

No contexto do surto de Listeria ligado a refeições prontas, a principal hipótese é que houve falhas no controle sanitário pós-processamento, permitindo que o alimento fosse contaminado por equipamentos, superfícies ou ambientes refrigerados onde a bactéria pode persistir.

Como a contaminação pode acontecer?

A contaminação por Listeria monocytogenes pode ocorrer em diferentes etapas da cadeia produtiva, mesmo após o cozimento inicial dos alimentos. Entre os principais pontos críticos estão:

• Ambientes frios mal higienizados, como câmaras frias e linhas de montagem;
• Equipamentos mal lavados, como cortadores, seladoras e esteiras;
• Manipulação pós-cozimento sem controle, com risco de recontaminação cruzada;
• Falta de monitoramento microbiológico em produtos prontos, especialmente refrigerados;
• Embalagens contaminadas ou mal armazenadas, que favorecem o crescimento da bactéria.

  • Contaminação cruzada, pois a Listeria pode estar presente em todos os lugares, da soleira empoeirada da janela, até a roda da paleteira.
  • Falta de monitoramento ambiental de patógenos.

O maior risco está nos alimentos prontos para o consumo que não exigem reaquecimento ou são consumidos diretamente da embalagem, como saladas, laticínios frescos, embutidos e refeições refrigeradas, mas também em outros alimentos quando o consumidor não segue as orientações do rótulo para o preparo adequado, carne mal passada. A bactéria não altera cor, sabor ou cheiro dos alimentos, dificultando sua identificação visual.

Medidas preventivas na indústria e no consumo

A segurança contra a Listeria começa com medidas rigorosas de boas práticas de fabricação (BPF), análise de perigos e pontos críticos de controle (APPCC) e testes microbiológicos frequentes. Para produtos refrigerados prontos para consumo, a indústria deve: • Realizar higienização sanitária adequada e validada para superfícies e equipamentos;
• Controlar temperatura e umidade relativa no processo;
• Monitorar rotineiramente a presença de Listeria em zonas de risco de acordo com protocolo de monitoramento ambiental.
• Implementar barreiras físicas entre áreas cruas e cozidas;

  • Mapear contaminações cruzadas e implementar medidas para eliminar as fontes.
  • Exigir plano de recall funcional.

Já para o consumidor, especialmente em contextos como o surto de Listeria ligado a refeições prontas, as orientações incluem: • Aquecer completamente alimentos prontos antes de consumir, atingindo no mínimo 74°C;
• Seguir rigorosamente as instruções de armazenamento e de cozimento/preparo dos produtos;
• Evitar o consumo de refeições refrigeradas que estejam com embalagem violada;
• Manter geladeiras limpas, organizadas e abaixo de 4°C;
• Lavar as mãos e utensílios após o manuseio de alimentos crus.

Por que esse caso merece atenção no Brasil?

O Brasil não possui uma legislação que cobre dos produtores de alimentos um monitoramento ambiental de patógenos e com isso, o que vemos de notícias envolvendo este microrganismos é apenas a ponta do iceberg. O crescimento da oferta de refeições prontas refrigeradas, a popularização dos serviços de delivery e o aumento do consumo de alimentos industrializados exigem atenção redobrada para esse tipo de contaminação.‌

Um estudo brasileiro realizado em sete unidades identificou a presença de Listeria monocytogenes em alimentos e equipamentos de processamento. Publicado na revista Ciência Rural, o levantamento envolveu pesquisadores da Universidades Federal de Goiás (UFG), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Saneamento de Ceres (GO).

De acordo com a pesquisa, 7,3% das 248 amostras avaliadas continham o microorganismo Listeria monocytogenes. A pesquisa avaliou diversos produtos como laticínios, carnes de frango, cortes bovinos, miúdos e até picolés e sorvetes.

As amostras foram coletadas em 33 indústrias, entre março e abril de 2023, em Goiás, no Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Rondônia, Tocantins e Distrito Federal.‌

Além dessa falta de informação e regulamentação para este microrganismo no Brasil, soma-se a tendência crescente de importação de produtos congelados e pré-prontos de outros países, o que exige uma vigilância sanitária eficaz e atualizada. Casos como esse nos EUA devem servir como parâmetro para revisar protocolos e reforçar ações de rastreabilidade, tanto na indústria quanto nas inspeções sanitárias.

O surto de Listeria ligado a refeições prontas nos Estados Unidos não é um caso isolado, mas um reflexo da complexidade crescente da cadeia alimentar moderna. A prevenção da listeriose depende de uma abordagem sistêmica, que envolve indústria, órgãos reguladores, serviços de alimentação e consumidores.

Investir em educação sobre segurança dos alimentos, revisar práticas operacionais e adotar tecnologias para controle microbiológico são medidas urgentes. Afinal, como esse episódio demonstrou, uma simples lasanha pode representar riscos severos quando a segurança microbiológica é negligenciada.

📌 Para ler a notícia original completa (em inglês), clique aqui.

Mirella Polato
Mirella Polato