Inovação na indústria de alimentos

Inovação na Indústria de Alimentos – Alimentos saudáveis e seguros

Nós do Semear apoiamos a acessibilidade. Ouça nosso conteúdo em áudio: 

Rodrigo Stephani

Por Rodrigo Stephani Professor e pesquisador do Departamento de Química da UFJF e membro do grupo Inovaleite #alimentonutriçãosegurança

  Se você digitar o exato termo “inovação na indústria de alimentos” no Google (Let’sGoogle it!), o sistema vai apresentar como resposta aproximadamente 28.100.000 resultados em apenas 0,75 segundos (foi isto o que aconteceu no meu caso). Ou seja, inovação na área de alimentos não é algo novo, isto todos nós já sabemos. No entanto, aceitei o convite da BR Quality para escrever um pequeno texto sobre a minha visão acadêmica em relação aos motores que movem as inovações na indústria de alimentos, porém com foco nos alimentos saudáveis e seguros (penso que ainda existe um espaço para reflexões neste sentido).  É sempre bom lembrar que a inovação na área de alimentos está diretamente atrelada ao conhecimento científico e à capacidade de desenvolvimento tecnológico, formando assim os pilares que sustentam a famosa estrutura CTI, “ciência, tecnologia e inovação”, que há anos atende as novas demandas da sociedade em relação aos alimentos.   estrutura ciência tecnologia inovação

Figura 1 – Estrutura CTI (ciência, tecnologia e inovação)

É muito fácil entender o papel de cada um destes pilares na capacidade inovativa das indústrias, visando principalmente a obtenção de alimentos saudáveis e seguros.

Ciência, Tecnologia e Inovação

Primeiramente, precisamos lembrar que a Ciência está intimamente ligada ao conhecimento dos fenômenos, à comprovação de teorias e hipóteses. A Ciência na sua forma mais pura, nada mais é que o processo de investigação ou estudo da natureza, direcionado principalmente à descoberta dos mistérios sobre o Universo. Falando sobre Tecnologia, esta é uma área associada aos impactos socioeconômicos sobre uma comunidade em específico, que normalmente são resultantes das aplicações de novos materiais e processos de fabricação ou novos métodos e novos produtos nos meios de produção. Já a Inovação possui tantas possibilidades de definições e derivações que no próprio “Let’s Google it!” encontramos aproximadamente 48.800.000 resultados em apenas 0,65 segundos. No entanto, gosto de pensar que Inovação significa a solução de um problema sendo utilizada pela primeira vez. Compreende a introdução de uma resposta (seja por exemplo um novo produto ou processo no mercado), em escala comercial, tendo, em geral, positivas repercussões socioeconômicas. Normalmente, para que uma tecnologia criada se transforme em Inovação, ela deve ser produzida pelos agentes econômicos (as empresas), disponibilizada para a sociedade e aceita por esta. Para ficar claro o papel de cada um destes pilares na área de alimentos, como motores de inovações, utilizaremos como exemplo o caso do entendimento químico relacionado ao mecanismo molecular do gosto doce, diretamente associado à questão do açúcar. 

Chegamos à Lua antes de desvendar o açúcar

Um dos primeiros trabalhos científicos que descreveu de forma adequada a teoria molecular para que uma estrutura química desencadeasse a percepção do gosto doce teve sua publicação apenas no dia primeiro de novembro de 1967 na prestigiada revista NATURE por Shallenberger e Acree. A título de comparação, em 1961 já tínhamos o cosmonauta Yuri Gagarin da antiga União Soviética orbitando a Terra. Em 1968, a Apollo orbitou a Terra e a Lua e um ano depois, os astronautas Neil Armstrong e Buzz Aldrin andaram na superfície lunar (alguns não acreditam nesta possibilidade até hoje, mas este não é assunto para este pequeno texto). O que estou tentando argumentar aqui, é que na década de 60 do século passado, já tínhamos desenvolvido ciência, tecnologia e inovação para viagens no espaço, mas ainda estávamos discutindo como as moléculas proporcionavam a percepção do gosto doce, ou seja, em outras palavras, como a molécula de sacarose nos estimula quimicamente. Vale lembrar que aproximadamente 20 anos antes (na década de 40), a humanidade já tinha desenvolvido a bomba atômica (imagina o nível de conhecimento científico pré-existente), mas a ciência não sabia como a geometria da sacarose influenciava na interação com os nossos receptores.

O modelo de inovação “empurrado pela descoberta científica”

Após a compreensão do conhecimento científico e da estrutura molecular, tornou-se possível desenvolver e sintetizar moléculas ou até mesmo a seleção de moléculas já existentes na natureza, que pudessem desencadear o mesmo mecanismo do gosto doce, porém sem as tais “calorias” que são tão discutidas hoje em dia. Como professor e pesquisador na área da Físico-Química, tenho minhas ressalvas sobre esta “rotulagem pejorativa” sobre elas, pois tudo no nosso vasto universo precisa de energia para manutenção das suas atividades, quer sejam as estruturas moleculares mais simples ou os sistemas orgânicos mais complexos (mas de novo, este é um assunto para outro texto). Energia é a base que sustenta tudo o que conhecemos, então, não é algo ruim. Só precisa da administração correta. Com o conhecimento científico obtido das interações moleculares, e o desenvolvimento tecnológico relacionado aos substitutos da sacarose, as inúmeras inovações vieram na sequencia, nos diferentes segmentos da área de alimentos, que até hoje nos surpreendem com novos produtos nas gôndolas dos supermercados com produtos que nos trazem prazer e satisfação, mas sem a tal culpa das “calorias inúteis”, associadas aos “coitados” dos carboidratos (de novo, uma visão molecular de um professor e pesquisador na área de Química). Existem inúmeros modelos de Inovação. Talvez, o primeiro e mais simples foi o modelo linearscience-push, discovery-push ou technology-push, categoria que chamamos em português “empurrado pela descoberta científica”. Nesse modelo, o processo de inovação tecnológica tem seu início pela pesquisa básica, passando pela pesquisa aplicada, pelo desenvolvimento, pela engenharia até chegar à comercialização pioneira. No entanto, apesar de explicar o processo de inovação que levou ao laser e à bomba atômica, o modelo linear não explica completamente inovações que tenham sido motivadas pela percepção de necessidades não atendidas como o desenvolvimento de motores elétricos, corantes e explosivos.

O modelo de inovação “puxado pela procura”

Assim, outro modelo de inovação proposto foi o então modelo linear reverso demand-pullou market-pull, “puxado pela procura”, o qual considera que as inovações emergem a partir de demandas identificadas no mercado ou por problemas operacionais apontados pelas empresas ou consumidores (algo diretamente relacionado ao tema: alimentos saudáveis e seguros). O modelo linear reverso aponta todo o foco do processo de inovação na demanda identificada no mercado. Dessa forma, o conhecimento científico fica subordinado a solucionar problemas surgidos na procura pelo atendimento às deficiências de mercado. Estes dois modelos que comentei são parciais, e explanam apenas parte do processo de inovação, mas não o seu todo, principalmente quando tentamos explicar o mecanismo de inovação na indústria de alimentos. Só estou utilizando aqui como exemplos para ilustrar a questão do papel da ciência e da tecnologia como motores de inovação.  A estrutura linear demonstra-se insuficiente para explicar efetivamente a inovação como processo na indústria de alimentos, devido à sua característica única e singular. Por fim, na minha visão, hoje, a indústria de alimentos tem forte atuação com inovações incrementais e menor participação nas inovações radicais. No entanto, isto não é crítica, é apenas uma característica. Acredito pessoalmente que, nas próximas décadas, a indústria de alimentos vai passar por mudanças realmente substanciais, não apenas por demanda da sociedade que hoje modela o sistema de inovação na área de alimentos, com o seu market-pull

O que é necessário para se desenvolver comida saudável e segura?

O fato é que muito ainda precisa ser descoberto pela ciência em relação aos aspectos nutricionais (muito mesmo). Vivemos atualmente um momento que influenciadores digitais possuem maior relevância em ditar o que é saudável ou não em comparação ao conhecimento científico já adquirido ao longo de tantos anos. No entanto, a ciência é silenciosa e perdura, pois, sua base é sólida e confiável, já que o tempo todo ela mesma se questiona sobre as verdades que acredita, característica única daqueles que entendem que não existe uma verdade absoluta.  Alimento é na verdade comida. Comida sempre esteve e estará em constante discussão, pois não é um assunto que se encerra na sua própria essência. Ela ultrapassa o tempo, as modas, as tendências, vontades e devaneios. Ela é a concepção da materialização de algo que precisamos aprender a respeitar e usar com sabedoria, pois não é infinita e não aceita desaforo. Comida saudável e segura não precisa apenas de inovação. Precisa também de amor e seriedade por parte daqueles que trabalham e atuam diretamente neste setor.

2 Responses

Adicione um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *

catorze + 9 =